Por que escrevemos?
 



Cronicas

Por que escrevemos?

Aline Morais


A gente escreve porque precisa costurar por dentro e jogar para fora uma avalanche. A gente escreve porque tem pressa e porque às vezes precisa esperar. A gente escreve para o silêncio ter voz e para o grito se calar. A gente escreve para alguém e para a gente mesmo se escutar. A gente escreve para denunciar a catástrofe e para exaltar a beleza. A gente escreve para vender livro e para apenas empoeirar na gaveta. A gente escreve para dar forma ao não-dito e para contornar os excessos verborrágicos. A gente escreve para autorizar a sangria e para conectar rachaduras.

A gente escreve redação, bilhete de geladeira, legenda de rede social, tese, dissertação, tatuagem de frase do peito, comentário de postagem, telefone no antebraço, reclamação, testamento, testemunho, sentença de liberdade e de condenação, livro, livreto, boletim, bula, no papel de pão, encaminhamento, etiqueta, nota de rodapé, um trecho de jornal, lista de compras, receita de bolo, recomendação, manual, confissão, ata e relatório de sessão. A gente escreve letra de música que é poema, crônica que é conto, narrativa longa que é curta, cordel que é poesia, prosa que é conversa de botequim e romance que nada significa história de amor.

A gente escreve cartas. Ou não mais? Telegrama nem lembro o último que recebi. Talvez ainda alguns diários. Será que em junho ainda escrevem correio elegante? E-mail só para formalizar e às vezes só a assinatura e olhe lá. A gente escreve porque acha que sabe alguma coisa e porque tudo que a gente sabe nem sempre cabe, senão nas pontas dos dedos transportado para o editor de textos ou para a folha de papel.

E os grandes porque escreviam? Drummond porque acreditava que podia fazer uma espécie de psicanálise dos pobres. Lispector acreditava que essa era sua vocação e seria melhor segui-la do que aprender uma coisa outra que exigiria um longo aprendizado. Pessoa porque acreditava que salvava a alma. Sabino dizia que responder a essa pergunta saltava a sua compreensão. Cabral de Melo por excesso de ser ou por falta de ser. Saramago para compreender quem era o humano. Bandeira escrevia poesia porque dizia não saber fazer música. Barros para transformar o lugar comum em poesia. Queiroz porque tinha o desejo de dar um testemunho do seu tempo, de si e de sua gente. Eco para contar histórias para alguém, ao não poder mais contar aos seus filhos depois de crescidos. García Márquez para ser mais amado pelos amigos.

Orwell para não reprimir o seu lado de sentir prazer com objetos sólidos e fragmentos de informações inúteis. Flaubert escrevia porque foi a única vida que achava que valia a pena ser vivida. Sartre para que com sua escrita o leitor passasse à existência objetiva o descobrimento que empreendeu por meio da linguagem. Cortázar pelo fascínio que a palavra produzia em si. Woolf porque acreditava que nós somos as palavras. Barthes para jogar com as palavras simples e como uma maneira de lutar e dominar o sentimento de morte.

Por fim, no curso e no fim a gente escreve para não ser esquecido. A gente escreve para ser um registro num tempo e num lugar e vai que numa lápide qualquer seja visto: “aqui jaz quem um dia viveu e escreveu”. A gente escreve mesmo, é porque a gente é precisado.


Aline Morais Geremias, reside em Campinas/SP, é psicanalista e professora universitária. Apaixonada pela escrita desde muito jovem. Escreve poesias, principalmente, com a temática em torno de questões emocionais e psíquicas, compartilha em seu perfil do Instagram: @seguemundofreud. Com a Metamorfose, está se desafiando a novas formas de escrita e de contar histórias. É aluna do Curso Online de Formação de Escritores.

 

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